Contos

Promíscua Sensbilidade

Sua voz era grave como a mais melancólica das sinfonias. As cordas vocais vibravam logo abaixo dos imensos olhos verdes e dos cabelos castanhos agora soltos contra o rosto banhado em perfume barato.

     Podia ser mais uma dessas cantoras que, inacessíveis, presenteiam a humanidade com a voz unicamente sua. Por tortuosos caminhos do destino e pela ironia do mundo incapaz de sorrir, contentava-se em ser puta.

     Girava alto no poste de metal quando os olhos bateram nas portas amplas do bordel. As luzes vermelhas geralmente iluminaram homens cansados de matrimônios falidos, caminhoneiros e bandos de jovens que pagariam caro por uma orgia. Não daquela vez.

     Quando as placas de madeira rangeram desta vez, atrás dos óculos de acetato, não havia o habitual olhar inebriado de homens de marcada mediocridade. Há algum tempo, existira brilho naqueles olhos agora miúdos e semicerrados de desânimo. O rosto largo e belo – marcantemente belo – era apenas profusão de tristeza, entretanto.

     Em algum momento, aquele jovem encontrara inegável decepção. Não um despontar triste ou um chacoalhar da vida destes que cansamos de levar ao longo destes destinos caboclos, mas um abrupto, intenso, indelével e insubstituível sofrimento. Era dor em todas as formas. Era amor em todas as partes.

     Sentou-se diante dela, pondo-lhe uma nota de vinte reais dentro da calcinha. Abriu os braços, mas não sorriu. Avançou sobre o jeans surrado e a camisa de flanela que cheirava a perfume europeu.

     — Esse gato tem nome? — sussurrou ao pé do ouvido, a música abafada pelos lábios artificialmente rubros.

     — Hoje não.

     Mais vinte reais postos na calcinha de renda. Seu corpo e pior, seu olhar – essa cova de sentimentos que o rosto esconde, mas a alma revela – não se entregavam, no entanto. Era um jovem vazio; esvaziado há pouco.

     — Por que não vamos para um lugar mais… reservado? — a última palavra saiu na forma de um muxoxo sensual e promíscuo.

     Não disse sim. Nem não.

     Puxou-lhe pela cintura até as cortinas de veludo que separavam a zona ao meio. Não se interpôs, limitando-se a ajeitar os óculos embaçados e a secar a testa que começava a transpirar no meio de tantas histórias passíveis, mas marcadas. Cada quarto do corredor cultivava uma porta, algumas abertas. Gemidos altos surgiam das paredes de concreto, alguns irrompendo pelo vão de madeira.

     Nunca fizera sexo. Apenas amor. Um emergir de sentimentos, vidas e fisiologia. Contara histórias através e para o corpo. Em seus braços ela aquecia-se, frágil e sua, envolta por amores e edredom. Era passado.

     — Eu devo ter algum nome especial hoje, gato? — ela perguntou, a voz cantada abrindo o cinto e o zíper com habilidade a contragosto aprendida.

     — Silêncio.

     Compreendendo a incompreensível história, limitou-se à biologia. Esqueceu a vida, o mundo, as histórias, seus sonhos… esqueceu-se de como amar.

     Terminaram pouco depois de começar. Ele pôs-se de pé, abotoando a camisa e tirando várias notas de vinte e cinquenta da carteira de couro ganha do pai.

     — Não vou cobrar nada — ela apressou-se em negar a quantia, puxando-a para longe de si, nua e de peitos fartos.

     — Cobre. Putas são a forma mais segura de amar.

     Fechou o zíper de uma só vez e saiu sem olhar para trás.

Continuava vazio. E por muito tempo continuaria, até que o olhar singelo da única que havia sido capaz de amar lhe sumisse por completo das retinas jovens, mas já cansadas.

Promíscua sensibilidade essa trazida pelo amor. Não cobrava, mas levava consigo tudo o que havíamos de bom grado entregue por acreditar que amar transcende preços. Era apenas um jovem de bolsos e coração vazio. O amor não cobra; o amor rouba.

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